Senhora das Candeias a rir, ou a chorar?

António Magalhães

A Igreja de Roma comemora a 2 de Fevereiro a festa da Candelária, entre nós conhecida por Senhora das Candeias. Festa em que se celebra o acto da purificação da Virgem Maria depois da apresentação do Menino no templo. Maria, segundo a lei de Moisés, apresentou Jesus ao sacerdote e Deus aproveitou este momento para a contemplação do Messias pelos fiéis. 

A Candelária, festa dedicada a Jesus, toma o nome de Apresentação e assim a denomina a Igreja do Oriente. No Ocidente é uma festa consagrada à Virgem e chama-se Purificação. A designação de Candelária, ou de Senhora das Candeias, resulta do facto da antiquíssima prática, hoje quase extinta, de benzer e acender neste dia muitas velas e candeias que seguiam depois em procissão pela igreja, pelos claustros e pelos adros. Momento solene que simboliza a proclamação de Jesus como verdadeira e única luz do Mundo.
As festas a Nossa Senhora das Candeias e a São Brás, que têm lugar, em Ul, nos dias 2 e 3 de Fevereiro, respectivamente, serão das mais antigas da região. A origem ao certo ninguém a conhecerá. Documentos que caminham para os três séculos de vida falam-nos já destas romarias e destas devoções, mas é muito provável que venham de bem mais longe. Acontece mesmo que, para muitos, São Brás aparece como o padroeiro, embora a guarda da paróquia esteja confiada desde tempos imemoriais a Nossa Senhora da Assunção; de resto, a freguesia chamou-se oficialmente, até pouco depois da proclamação da República, Santa Maria de Ul. 
As festas aconteceram uma outra vez. Na fidelidade à dita tradição de muitos séculos. Naturalmente, e como acontece com a generalidade das romarias, já não são nada do que eram. Tudo agravado pela pandemia. Meio século atrás, as festas apareciam como as primeiras do ano, logo após as das Fogaceiras. Desde a serra à beira-mar, eram autênticas legiões, muitas delas em carros de cavalos. A maioria a pé, terço na mão e farnel à cabeça. Os comboios regurgitavam de passageiros. Mas as promessas a São Brás aconteciam praticamente durante todo o ano: seria raro o domingo ou dia santo em que não viesse até ali alguém agradecer a graça concedida e deixar a esmola em caixa própria, mais a peça moldada em cera ao sacristão, que a dependurava no modesto estendal concebido para o efeito.

Os menos jovens recordam a primeira informação meteorológica apresentada na televisão religiosamente à mesma hora por uns senhores que explicavam tudo muito detalhadamente, apontando com a varinha sobre uns extensos mapas. Foi aí que todos nos começámos a familiarizar com termos técnicos, tais como superfícies frontais, anticiclones, depressões cavadas, etc., etc. Todos entendíamos tudo. Eu fiz aí a minha aprendizagem…
De entre vários estudiosos dos tempos, vinha assiduamente ao Boletim Meteorológico de então o Dr. Manuel Costa Alves, figura simpatiquíssima que todos escutávamos com ansiedade e prazer... figura que, com saudade de todos, desapareceu um dia da pantalha do televisor e o boletim meteorológico é hoje oferecido na secura dos gráficos. Pude “reencontrá-lo” há anos através da leitura de um valioso estudo a que deu o nome de “Mudam os Tempos, Mudam os Ventos - O Adagiário Popular Meteorológico”, saído dos prelos em 1996, data em que ocorreram as bodas de ouro do Instituto de Meteorologia. Trata-se de uma recolha de provérbios relacionados com o tempo, ou, nas palavras do autor, “uma busca para extrair do adagiário popular a sua componente meteorológica”. 
De entre as muitas centenas de adágios recolhidos, há os que comportam alguma verdade científica, outros absolutamente nenhuma. Entre estes últimos situa-se um relacionado com a Senhora das Candeias. A este respeito, escreve o Dr. Costa Alves: “Se a Senhora das Candeias chorar, está o Inverno a passar; se a Senhora das Candeias rir, está o Inverno para vir, é um ditado que se afasta do paradigma do refraneiro por centrar num só dia a chave de um prognóstico que não tem condições para ter sucesso (...); 75 anos de observações meteorológicas em Coimbra (1867-1941) levaram Alberto Barata Pereira a concluir que a percentagem daqueles em que choveu neste dia é de 51%, o que é perfeitamente aceitável quando se trata de um dia 2 do mês de Fevereiro, onde, em média, ocorre precipitação em 46% dos dias. Não se detecta qualquer correlação entre o anunciado pelo ditado e o realmente acontecido”.
A igreja de Roma dedica o dia 3 a São Brás, bispo e mártir nascido na Arménia, junto ao Mar Negro, terras que então se incluíam no Império Romana e hoje fazem parte da Turquia. Advogado da garganta, refere a tradição que, seguindo São Brás em viagem, apareceu-lhe ao caminho em desespero uma mãe que via o filho já em agonia, porque se lhe havia atravessado uma espinha na garganta. Condoído, o piedoso bispo ergueu uma prece aos céus rogando a saúde do menino. Mal o santo terminou a súplica, a criança tossiu, a espinha saltou, restituída ficou a saúde. Prodígio que muitos romeiros evocam na igreja de Santa Maria de Ul, junto à imagem do santo em festa.
*
As festas aconteceram uma vez mais. Com as conhecidas limitações. E apesar da ânsia de chuva, de muita chuva, o Sol, muito Sol, bafejou quantos, na fidelidade à tradição multissecular, estiveram uma outra vez em Terras de Santa Maria de Ul. 
 (Escrito segunda a anterior ortografia)

Partilhar nas redes sociais

Comente Aqui!









Últimas Notícias
Miguel Gonçalves vai estar na USOA
26/04/2024
Iniciou a campanha de esterilização de animais de companhia de 2024
26/04/2024
Caminhada no Parque Molinológico de Ul no dia 01 de maio
26/04/2024
Exposição 'Máquinas de Costura Centenárias' na Casa-Museu de Oliveira de Azeméis
26/04/2024
Banda Musical de Fajões no II Festival de Filarmonia D'Ouro
26/04/2024
ACREV vai organizar Noite de Fados
26/04/2024
Centenas de fajonenses afluíram ao Monte de São Marcos. Veja as fotos da grande festa
25/04/2024
António Aguiar vai-se recandidatar a presidente da Banda de Música de Carregosa
25/04/2024